É preciso coragem para enfrentar a força das ondas que chegam à costa da ilha de Fernando de Noronha após o swell. As imagens de abertura de Proibido Nascer no Paraíso, documentário dirigido pela carioca Joana Nin, lembram que por trás dos encantos da natureza há fúria e poder. A narração explica o fenômeno das ondas gigantes provocadas por tempestades oceânicas e cria uma analogia com o instante em que a bolsa se rompe e impulsiona a saída do bebê do útero. Fenômenos naturais, imprevisíveis, incontroláveis, incontornáveis. Ou não seriam?

Em 2004, o último obstetra residente se mudou de Fernando de Noronha e a maternidade foi desativada. Nesse mesmo ano, o governo de Pernambuco editou o Decreto Distrital 18/2004, que tornou mais rígido o controle migratório. Devido à falta de estrutura, mulheres grávidas são orientadas a deixar a ilha aos sete meses de gestação para que o parto seja realizado em Recife ou Natal. Enquanto isso, mais de 100 mil visitantes anuais injetam dinheiro na economia e pagam taxas diárias de permanência. Em Proibido Nascer no Paraíso, a diretora (que também é jornalista) não se limita a apresentar os fatos (já bastante repercutidos na mídia) e avança ao questionar os interesses por trás das determinações.

O último nascimento “não autorizado” a acontecer em Fernando de Noronha foi em 2018. As imagens selecionadas para o documentário são da câmera de segurança que capta o momento em que o pai corre com sua filha recém-nascida nos braços. O homem vai na direção contrária da ambulância que chega ao local, sabendo que ali não encontraria o apoio necessário. O nascimento do bebê virou matéria de jornal e motivo de investigação. A cena evoca um olhar empático sobre aquelas que cometem a “infração” de parir ou nascer nesse lugar.

Joana Nin utiliza uma narrativa dinâmica, alternando entrevistas diretas, observação e narração em off, para condensar em pouco menos de 1h20 as questões sociais, históricas e econômicas que sustentam a proibição de nascimentos na ilha. No eixo central estão as histórias das personagens — Ana Carolina “Babalu”, Ione e Harlene — cada qual com sua vivência, mas que compartilham o mesmo sentimento de dominação e impotência. São mulheres que perdem o poder de decidir seus partos e, quando tentam se impor, tornam-se vítimas de agressões psicológicas proferidas pela sociedade. Numa lógica inversa e perversa, o Estado omisso, que não investe em estrutura básica de saúde, transfere para as mães noronhenses a responsabilidade de assistência aos recém-nascidos.

O documentário não apenas repercute vozes militantes, como ainda contesta normas com comprovações documentais, reconstituindo fatos sob a perspectiva do lado mais fragilizado, de quem vive e sofre as consequências das decisões políticas. A narrativa também não se restringe a denunciar a suspensão da liberdade e do direito que mulheres têm sobre si, como aponta quem detém o poder de colonizar corpos e territórios sob a proteção do capital. Em Proibido Nascer no Paraíso, Joana Nin enfatiza que para toda ação há reação, e que existe resistência contra a dominação.

Proibido Nascer no Paraíso está disponível na GloboPlay.

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