Em novembro de 2015, o Brasil ficou atônito ao receber a notícia de que 60 milhões de lama tóxica destruíram em poucos minutos as ruas históricas da cidade de Mariana, em Minas Gerais. Centenas de famílias desabrigadas, 17 vidas que tiveram um fim trágico e danos imensuráveis causados à natureza.

Os rejeitos de minério de ferro da mineradora Samarco romperam a barragem e chegaram até o Rio Doce. Foram mais de 550 quilômetros percorridos até chegar ao mar, em Regência Augusta, no Espírito Santo. No percusso, pessoas que possuíam uma relação íntima com o rio, de onde tiravam sustento, lazer, alimento e energia, agora viam as águas límpidas mudarem de cor, poluir e matar vidas.

O que pensam os ribeirinhos sobre o crime ambiental cometido pela Samarco? Como o desastre de Mariana modificou o cotidiano e as questões sociais, econômicas e ambientais desses lugares? E sobre o futuro, o que esperam? As respostas para esses e outros questionados serão revelados no documentário “Rio Doce – Histórias de uma tragédia” que se encontra em campanha de financiamento coletivo no Kickante.

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Com previsão para ser lançado em outubro, o filme tem a direção Pedro Serra, jornalista que já produziu documentários sobre a tragédia da Região Serrana do Rio de Janeiro e a ocupação do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro; e de Hermano Beaumont, sócio da produtora Do Rio Filmes que também assina o roteiro.

Expedições

A equipe embarcou em uma verdadeira expedição pelos rastros deixados pela lama tóxica da Samarco. De Mariana (MG) a Regência (ES), com imagens feitas à parte no arquipélago de Abrolhos, a primeira viagem aconteceu apenas duas semanas após o rompimento da barragem.

A tristeza pela busca de desaparecidos, o trabalho de centenas de voluntários, a chegada de doações de todo o Brasil, o desespero pela falta d’água, a apreensão pela chegada da lama ao mar e o trabalho de ambientalistas para minimizar os impactos foram registrados.

“Com o desenrolar da tragédia em Mariana e o avanço da lama pelo Rio Doce, sentimos que precisávamos estar lá para entender o que estava acontecendo e contar essa história. Seguimos para lá assim que conseguimos nos organizar e chegamos em Regência a tempo de testemunhar a chegada da lama no mar”, relata Pedro Serra.

Após seis meses, foi iniciada uma segunda expedição. Nessa nova etapa, voltaram-se à maioria das pessoas e lugares da primeira viagem para melhor compreender as consequências deixadas pela tragédia a longo prazo. “Queríamos ver como a tragédia havia afetado a vida das pessoas ao longo do rio, e como a natureza vinha se recuperando dessa agressão”, explica Hermano Beaumont.

Histórias eternizadas

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Na primeira expedição, a equipe do documentário lançou a página “Humanos do Rio Doce” no Facebook com o objetivo de compartilhar algumas das histórias colhidas durante a produção do documentário. Uma delas é a de Jaqueline Fernandes, que perdeu o irmão, funcionário de uma terceirizada da Samarco, quando a barragem estourou:

“Eu vi muita gente da Samarco chegando assustada no bar onde eu trabalho, perto da barragem. Eu fiquei sem chão quando um senhor me disse que tinha visto os seus amigos morrendo.Meu irmão estava bem próximo da barragem. Tentaram esconder isso da gente, mas eu fui sondando e perguntando e descobri que o meu irmão foi uma das primeiras pessoas a ser atingida. Ele estava dando uma manutenção e, quando ouviu o barulho, alguém ainda conseguiu entrar em contato e disse: ‘corre Mateus, porque a barragem estourou’. Aí disseram que ele só respondeu ‘ok’, e ninguém soube mais dar notícia. A Samarco só apareceu aqui na terça-feira. Aí perguntou se a gente precisava de alguma coisa. Disse que a gente precisava de ajuda sim, até psicológica, por causa da minha mãe, que está muito mal, e do meu sobrinho, que é apenas uma criancinha de cinco anos. Veio um rapaz, conversou com o meu sobrinho, depois uma senhora disse que viria na quinta, mas ninguém nunca mais apareceu. A Samarco deve estar achando que os funcionários não têm família, mas o meu irmão tem família sim.”

Quase um ano após o desastre, o que foi feito sobre Mariana? Que visibilidade a grande mídia vem dando ao maior desastre ambiental do Brasil e suas consequências? O que se sabe é que as companhias de mineração em nada mudaram e continuam a trabalhar com pouca fiscalização em outras áreas do Brasil. Através do documentário, os diretores têm o objetivo de dar uma maior projeção internacional sobre o caso, “lançar uma nova luz sobre o fato e pressionar as empresas de mineração e o governo por mudanças”, escrevem.

Para que histórias como a do irmão de Jaqueline e crimes ambientais não sejam esquecidos, colabore com a finalização de “Rio Doce – Histórias de uma tragédia”. Até o momento, todo o dinheiro investido no documentário veio da produtora, realizado de forma independente. “Queríamos poder trabalhar de forma independente e imparcial. Ouvir as histórias e poder contá-las livremente”, conta a equipe. Cada contribuição recebe em troca uma recompensa proporcional ao valor.