“O cineasta do mundo é do Brasil”. Este é o título da biografia escrita por Sergio Caldieri que tenta fazer justiça ao reconhecimento de Alberto Cavalcanti como cineasta do Brasil. O carioca é reconhecido como um diretor fundamental na história do cinema na Inglaterra e na França, locais onde passou maior parte da vida, no entanto, em seu próprio país, foi visto como um estrangeiro – e, pior: foi expulso e apagado da história.

Um dos motivos que levam a tal fato é a dificuldade de assistir a um filme seu dentro do território nacional. As únicas opções de assistir a suas produções são em mostras temáticas, ou então em aparições inesperadas na TV paga. No Brasil, não há vídeos nem DVDs de suas obras, diferente do que acontece no exterior, onde é possível encontrar filmes de Alberto Cavalcanti em cinematecas, centros culturais ou em páginas da internet voltadas para a preservação da memória.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o jornalista Caldieri protestou sobre o esquecimento. “Quando ele morreu, o título de um jornal brasileiro foi: ‘Morreu o gênio mal-amado’. Ele sempre foi incompreendido aqui e hoje é escamoteado. Por falta de consideração ou ignorância, é como se Alberto Cavalcanti não existisse no Brasil”, disse.

Veja mais: Filme de brasileiro é eleito por Scorsese um dos mais assustadores da história

O livro Alberto Cavalcanti – O cineasta do mundo é do Brasil resgata a história do cineasta desde seu nascimento no Rio de Janeiro, em 1897, até a morte em Paris, na França, em 1982, aos 85 anos. Entre este tempo, comentam-se diversos fatores decisivos em sua carreira, entre eles a rejeição do Cinema Novo, em 1954. Além de Glauber Rocha, outros exponentes do Cinema Novo, como o crítico Alex Viany e Nelson Pereira dos Santos, também crítico na época, foram de encontro a suas produções por não as considerar “revolucionárias” ou “sociais”.

Anos depois, fizeram a “mea-culpa”. Glauber Rocha, no livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de 1963, escreveu: “Ninguém foi expulso do cinema brasileiro a não ser o próprio Alberto Cavalcanti, que teve de arrumar as malas e retomar o seu prestígio na Europa. (…) Nunca, em torno de um homem só, tamanha e sórdida campanha foi desencadeada, no seio de uma classe”.

No início dos anos 2000, Nelson Pereira dos Santos foi entrevistado pela jornalista Norma Couri, autora de O Estrangeiro – Alberto Cavalcanti e a Ficção do Brasil, onde afirma que hoje o cineasta se “arrepende profundamente” das palavras que proferiu nos anos 1950, quando tinha 20 anos de idade. “Para ele, Cavalcanti podia ter salvado o cinema brasileiro”, acrescentou Couri em entrevista à Folha de S.Paulo.

Antecedentes

João Ubaldo Ribeiro, Jards Macalé, Alberto Cavalcanti e Glauber Rocha, em 1979.
João Ubaldo Ribeiro, Jards Macalé, Alberto Cavalcanti e Glauber Rocha, em 1979. Foto: Paula Maria Gaitán

Após passar 28 anos desenvolvendo projetos na Europa, Cavalcanti veio ao Brasil em 1949. A convite de Assis Chateaubriand, o magnata da comunicação, chegou para participar de palestras durante o Seminário de Cinema do Museu de Arte de São Paulo e acabou ficando para assumir a direção-geral da Vera Cruz, a “Hollywood brasileira”, estúdio criado por Franco Zampari.

No entanto, a sua direção não rendeu bons retornos pessoais. Apesar de ter impulsionado o desenvolvimento do cinema nacional com as instalações dos estúdios e importação de material e mão de obra técnica, foi perseguido por questões políticas e envolveu-se em brigas internas. Em sua passagem pela Vera Cruz, produziu filmes considerados “maus” pelo mercado e não dirigiu nenhum.

Em 1952, saiu da Vera Cruz e comprou a produtora Maristela, mudando o nome para Kino Filmes. Por ela, realizou três obras visando abordar uma temática brasileira. Foram elas Simão, o Caolho (1952), O Canto do Mar (1953) e Mulher de Verdade (1954), obras que também não tiveram prestígio nacional.

Apesar da tentativa de se reerguer no mercado, Cavalcanti mais uma vez não foi bem-sucedido, envolveu-se em novas brigas e perdeu dinheiro. A “expulsão” da cena intelectual brasileira e do movimento do Cinema Novo ocorreu em 1954, ano em que voltou à Europa com ajuda da socialite Yolanda Penteado, sua grande amiga. Retornou ao Brasil apenas em 1979, como membro do júri do Festival Internacional do Rio de Janeiro.

“[Cavalcanti] foi vítima de uma rejeição xenofóbica. Era um brasileiro visto aqui como estrangeiro numa época de nacionalismo acirradíssimo. Como era homossexual, também foi alvo de muitas ironias. Ficou tão humilhado que foi embora”, explicou a jornalista Norma Couri em entrevista à Folha de S.Paulo. Em 2012, o Festival do Rio prestou uma homenagem a Alberto Cavalcanti, considerado “o primeiro cineasta brasileiro a fazer carreira internacional”.

Carreira

http://www.youtube.com/watch?v=_hjA4a44SGs

Ao longo de sua carreira nacional e internacional, Cavalcanti trabalhou em 126 filmes. No exterior, deixou sua marca na história do cinema europeu participando do movimento da vanguarda francesa da década de 1920; da escola documentarista inglesa em 1930; e da produção fílmica comercial britânia nos anos 1940. No Brasil, passou a ser considerado anos depois como uma das figuras mais importantes para o desenvolvimento do cinema nacional.

Nos anos 1920, dirigiu dois dos filmes considerados mais importantes para o movimento vanguardista da França: En Rade e Rien que les Heures. Em 1941, auge da Segunda Guerra Mundial, fez uma sátira do ditador italiano Benito Mussolini com Yellow Caesar, filme equiparado pela crítica a O grande ditador, de Charles Chaplin. Já em 1945, apresentou o longa Na Solidão da Noite, considerado por Martin Scorsese um dos filmes mais assustadores da história, lançado na época no inovador formato de antologia – modelo que inspirou novas produções do gênero de horror.