O Festival de Cinema de Animação de Annecy, maior e mais importante premiação do cinema animado, apresenta entre os selecionados dois longas-metragens brasileiros. Meu Tio José e Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente concorrem ao prêmio da seção paralela Contrechamp. Além deles, o spot publicitário Alima “Afri-can” disputa na competitiva Commissioned Films e o diretor Alê Abreu exibe trecho de seu novo filme Perlimps. O evento acontece de 14 a 19 de junho, em formato híbrido. 

A animação baiana Meu Tio José é baseada na história familiar do diretor Ducca Rios, marcada pela ditadura militar brasileira. O filme conta o assassinato de José Sebastião Moura, membro do grupo Dissidência da Guanabara e participante do sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick em 1969. A narrativa é desenvolvida sob a perspectiva de uma criança, Adonias. O personagem referencia o próprio diretor, que tinha apenas 10 anos quando o tio foi assassinado. 

O filme marca a estreia de Ducca Rios no longa-metragem. Ele realizou anteriormente curtas e séries de animação, principalmente direcionadas ao público infantil, como Tadinha (2010), A Bruxinha Lili e a Baleia Belena (2010) e O Sumiço da Comida (2015). Em Meu Tio José, o animador experimenta com o gênero documental na animação em 2D. O ator Wagner Moura integra o elenco como o Tio José. Na trilha sonora, releituras das canções Apesar de Você, Roda Viva e Construção, de Chico Buarque, interpretadas por Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado. 

Já o personagem criado pelo quadrinista e chargista Angeli está em Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente. A animação em stop motion assinada pelo paulista Cesar Cabral tem como mote o conflito entre o personagem e seu criador. Essa é a segunda animação do diretor baseada no universo de Angeli, sendo a primeira o curta Dossiê Rê Barbosa (2008), premiado no Festival de Havana e de Gramado. Cabral participou de Sundance em 2011 com o também premiado curta Tempestade (assista no Vimeo).

Em Bob Cuspe…, o personagem de estética punk habita um deserto pós-apocalíptico na cabeça de Angeli, que decide matá-lo. O projeto foi desenvolvido a partir de uma série de entrevistas e diários gravados com o quadrinista, hoje com 64 anos. Para a reportagem do Terra, Cabral conta que o filme possui dois universos, sendo um deles mais documental. Paulo Miklos, Grace Gianoukas e André Abujamra integram o elenco. Na trilha, Sonífera Ilha, Inocentes, Iggy Pop, Mercenárias e Patif Band.

A terceira animação brasileira em competição integra a seção Commissioned Films in Competition — que compreende trailers, comerciais, videoclipes e demais produtos encomendados — e é coproduzida pela França. Alima “Afri-can”, com direção de Théo Gottilieb e animação de Daniel Bruson, é uma campanha de 60 segundos que questiona o pensamento colonizador que se impõe para “solucionar problemas” de outras nações. O spot está na seleção do Staff Pick do Vimeo

Dois longas brasileiros já foram premiados em Annecy, que chega este ano a sua 60ª edição. Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, recebeu o prêmio em 2013, e O Menino e o Mundo, de Alê Abreu (também indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2016) foi o vencedor de 2014. O festival homenageou os 100 anos da animação brasileira em 2018. 

Perlimps: nova animação de Alê Abreu 

Uma das mostras paralelas do Festival de Annecy, a Work in Progress, é dedicada a obras de animação ainda em desenvolvimento. Após sete anos da premiação de O Menino e o Mundo, Alê Abreu retorna ao festival para exibir um trecho de seu novo trabalho, Perlimps (veja o teaser), ainda sem previsão de lançamento comercial no Brasil. Os participantes da seção têm a oportunidade de conhecer equipes por trás dos projetos e questioná-las sobre processos de criação artística e produção. 

Perlimps traz ao debate questões ambientais contemporâneas. Na trama, gigantes ameaçam a Floresta Encantada e a sobrevivência dos Perlimps. Os agentes secretos Claé e Bruô são de reinos inimigos, mas se unem numa missão para salvar as criaturas. A animação é coproduzida por Bolongnesi, sócio da Buriti Filmes, que demonstra em sua filmografia especial interesse por causas ambientais e indígenas. 

Animações da América Latina em Annecy 2021

O argentino Tamgù, de Isabel Loyer e Luis Paris, é um dos selecionados do Festival de Annecy 2021. Imagem: Divulgação

Além do Brasil, outros três países da América Latina contam com representantes nas mostras competitivas deste ano, com destaque para o México. Os curtas-metragens mexicanos Llueve (Carolina Corral Paredes, Magali Rocha Donnadieu), Tío (Juan José Medina), Vacuidad (Eduardo Gallardo) e as produções encomendadas Agua para Ayutla (Azucena Castillo, Yasmin Islas, Elisa Hernandez), Los Viejos “Drop al infierno” (Esteban Azuela) estão entre os finalistas.

A Argentina participa com os curtas Paper Birds (Federico Carlini, German Heller), 4 Feet High VR (Maria Belen Poncio, Rosario Perazolo Moasjoan, Damian Turkieh) e Tamgù (Isabel Loyer, Luis Paris), os dois últimos coproduzidos pela França. Por fim, o cinema de animação chileno tem dois curtas em competição: La Copia Feliz del Edén (Samuel Restucci, Emilio Romero Arancibia) e Bestia (Hugo Cavarrubias). Este último e o mexicano Tío são os único latino-americanos na competitiva principal de curtas.