Ainda que o mito da democracia racial pregue o contrário, o Brasil é estruturado por abismos raciais e sociais que segregam e invisibilizam populações. A realidade é que aqui, neste país, se encontra a cidade mais negra fora do continente africano e pessoas que se consideram pretas ou pardas representam quase 54% da população, segundo o IBGE. Os dados mostram ainda que, na parcela dos 1% mais ricos, apenas 17,4% são negros; enquanto na população dos mais pobres, os negros representam 76%. Esse também é o país com a segunda maior concentração de renda do mundo, como mostra o relatório da ONU, ficando atrás apenas do Catar.

A sociedade brasileira está fundamentada em bases racistas, de passado escravocrata, e pouco ainda fez para reparar as violências cometidas contra negros e indígenas. O racismo, aliás, é algo maior que discriminação ou preconceito e está incrustado na construção do Brasil enquanto país. Ele é estrutural e está expresso até mesmo em gestos inconscientes ou coletivos que desfavorecem pessoas negras e indígenas para favorecer brancos. Compreender a realidade brasileira mostra quão necessárias são políticas públicas e ações afirmativas que visam amenizar as desigualdades raciais e sociais e universalizar o acesso a espaços historicamente ocupados por pessoas brancas de classes dominantes.

Para articular o debate sobre racismo ao cinema brasileiro, o Assiste Brasil selecionou dez filmes que enfocam questões raciais, históricas e sociais.

1. Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisario Franca

Um caso chocante de escravidão nos anos 1930. O documentário retrata o caso de uma família de empresários que iam do interior de São Paulo para o Rio de Janeiro “higienizar” orfanatos, levando consigo meninos negros para exploração. Disponível no Globoplay.

2. Kbela, de Yasmin Thayná

Um olhar sensível sobre a experiência do racismo vivido cotidianamente por mulheres negras. A descoberta de uma força ancestral que emerge de seus cabelos crespos transcendendo o embranquecimento. Um exercício subjetivo de autorrepresentação e empoderamento.

3. A Negação do Brasil, de Joel Zito Araújo + Tudo Que É Apertado Rasga, de Fábio Rodrigues Filho

“Tabus, preconceitos e estereótipos raciais são discutidos a partir da história das lutas do atores negros pelo reconhecimento de sua importância da história da telenovela – o produto de maior audiência no horário nobre da TV brasileira. O diretor, baseado em suas memórias e em pesquisas. analisa as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros” (retirado do site da Cinemateca Brasileira). O curta-metragem Tudo Que É Apertado Rasga, de Fábio Rodrigues Filho, lançado em 2019, é uma ótima produção para ser pensada em diálogo com o longa de Joel Zito, fortalecendo o debate sobre as imagens e a presença de atores e atrizes negras no audiovisual brasileiro a partir da noção de agência.

4. O Mestre de Apipucos, de Joaquim Pedro de Andrade

A rotina de Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala e intelectual que articulou o mito da democracia racial, entre prazeres gastronômicos, intelectuais e sociais. As relações entre patrão e empregados expostas no curta revelam como o racismo estrutural se inscreve no cotidiano.

5. Travessia, de Safira Moreira

Realizado a partir da memória estilhaçada, fruto do apagamento histórico da população negra no Brasil. Partindo de imagens inscritas de violências do passado que ainda reverbera no presente, o curta produz outras imagens possíveis pela via do afeto.

6. Alma no Olho, de Zózimo Bulbul

“Uma metáfora sobre a escravidão e a busca da liberdade através da transformação interna do ser. Num jogo de imagens de inspiração concretista, e com o uso de mímicas e expressões corporais, o curta traz um retrato da condição do negro na sociedade branca hoje” (retirado do site da Cinemateca Brasileira). Em sua estreia na direção, Zózimo Bulbul usa seu corpo para expressar as feridas da opressão colonial e dominação racista, bem como explorar o movimento diaspórico africano.

7. Cores e Botas, de Juliana Vicente

Joana tem um sonho comum a muitas meninas dos anos 1980: ser Paquita. Sua família é bem sucedida e a apoia em seu sonho. Porém, Joana é negra, e nunca se viu uma paquita negra no programa da Xuxa.

8. Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós

Tiros em um baile black na periferia de Brasília ferem dois homens. Um terceiro vem do futuro para investigar o acontecido e provar que a culpa é da sociedade repressiva. Disponível no streaming da Netflix.

9. Experimentando Vermelho em Dilúvio, de Musa Michelle Mattiuzzi

“Uma caminhada-ritual para a estátua de Zumbi dos Palmares, no centro do Rio de Janeiro, num diálogo com a pesquisa de Grada Kilomba sobre a política do discurso negro na economia das plantações”.

10. Filhas do Vento, de Joel Zito Araújo

Uma história de redenção amorosa entre irmãs, mães e filhas, na pequena cidade de Lavras Novas, interior de Minas Gerais, onde os fantasmas da escravidão e do racismo acentuam os dramas de forma sutil e poderosa.